Sob forte regime religioso, Irã completa 30 anos da Revolução

08 de Fevereiro de2008 :: Nazen Carneiro, especial para a Gazeta do Povo.

É fundamental para compreensão do impacto da revolução islâmica hoje, uma introdução histórica. Há 30 anos fugia do Irã rumo aos Estados Unidos, o monarca ‘Xá’ Reza Pahlavi, acabando com recém completos 2500 anos de existência do Império Persa sem nunca ser colonizado por outro país. Este efeito teve como causa a revolta civil contra os gastos excessivos e supérfluos da monarquia, a corrupção do governo e a influência externa na economia e cultura iraniana e islâmica, fator preponderante na argumentação de líderes religiosos e de grupos não-islâmicos para aglutinar pessoas em torno da deposição do regime.

Estava pronto o cenário para uma mudança muito grande no país onde os movimentos de oposição ao “Xá” e pró-Islam foram forçados a organizar-se para continuar a existir sob forte repressão, especialmente a religião muçulmana, por parte do governo que desejava reviver o orgulho dos tempos de Imperadores como “Ciro o Grande” e “Dario o Grande”, chegando a alterar o calendário e o ano do país de acordo com o nascimento de Ciro.

Depois de ser preso por 18 meses e durante anos de exílio, Aiatolá Khomeini comanda a organização de movimentos islâmicos xiitas no país e quando retorna de Paris ao Irã, em 1979, é recebido por uma multidão em polvorosa. No dia 11 de Fevereiro, com a declaração de neutralidade das Forças Armadas, acaba o regime monárquico. Paralelamente ao governo provisório do primeiro ministro, Aiatolá Khomeini conduz o processo que leva ao plebiscito popular sobre a criação de uma República Islâmica.

Baseada nos preceitos do Islamismo Xiita criou-se um sistema teocrático, onde a Lei do País é a ‘Sharya’ – lei islâmica baseada no livro sagrado Corão. Acima do parlamento e do presidente está o ‘líder supremo’, o qual delibera sobre a guerra e a paz, aprova ou veta leis e tem a última palavra em vários assuntos de Estado. O cargo, primeiramente ocupado pelo Aiatolá Khomeini, hoje pertence a Aiatolá Khamenei – e digo pertence, pois não tem duração de mandato estipulado e somente o Conselho dos Sábios pode propor sua substituição, de acordo com análise de sua conduta sob os valores da moral islâmica e da revolução iraniana.

Com o aparente orgulho dos cidadãos em relação a revolução, fica difícil colher opiniões sobre falhas do regime, as quais mais consistentemente consegui obter em palestras como na proferida na Universidade de Religiões Comparadas, em Janeiro deste ano, com o ‘Xeique’ Sayed Abul Hassan Navab, ex-membro do ministério de relações exteriores iraniano. Ele afirma que “o Irã, por diversas razões, acabou por desenvolver mais o setor público que o setor privado, o que causa dificuldades hoje” e complementa: “Com nossas dificuldades ainda não conseguimos eliminar a pobreza do país e os bens não são acessíveis a todos, mas acredito que em pouco tempo iremos atingir estas metas”. Trita Parsi, presidente do Conselho Iraniano-Americano nos Estados Unidos, afirma que “O governo sente a pressão externa, e segmentos da sociedade iraniana estão em descompasso com os aiatolás. Mas o regime está firme e forte“.

Para a celebração do trigésimo ano da revolução iraniana, na segunda-feira, 12 de Fevereiro,o governo do país preparou uma surpresa  para seus cidadãos e outros países: “o lançamento do satélite ‘Omid’ (esperança), com capacidade de telecomunicações ”, afirma Jon Leyne, enviado da BBC em Teerã.

No Irã a censura a informação – além de bloquear sites como o Orkut – altera textos de filmes e peças de teatro retirando cenas de beijo, sexo e consumo de álcool. Em alguns casos a censura produziu fatos bizarros, como o relatado pelo Xeique (clérigo islâmico) Mohsen Ashraf Zadeh: “Algum tempo atrás na TV ia passar o filme japonês ‘A Última Gueixa’, mas a censura alterou tanto a história que ela já não era mais uma gueixa e a Embaixada do Japão decidiu recomprar os direitos de exibição do filme para preservar seu conteúdo”.

Jovens celebram 30 anos da revolucao junto de evento da Ashura*

Jovens celebram 30 anos da revolucao junto de evento da Ashura*

A celebração

A menos de uma semana do início da comemoração do aniversário da revolução, chamada na língua local – persa – de “Darreie Fadjer”, ou “10 dias de Nascer do Sol”, vê-se muitas bandeiras e preparativos para o evento que reúne a população, artistas, atletas, clérigos e membros do governo para discursar e participar de atividades em praças e ruas. Além disso, é costume visitar cemitérios de ‘mártires’ da revolução, lavar seus túmulos, orar e deixar flores. Pelas ruas das principais cidades se vê também muitos cartazes e pinturas com imagens dos aiatolás Khomeini, morto em 1989, e Khamenei, junto da bandeira do Irã com dizeres nacionalistas além de diversos outdoors com fotos dos primeiros momentos da revolução. Nos canais de televisão, todos pertencentes ao estado, há muitas propagandas sobre o evento além de documentários, entrevistas e filmes para públicos de várias idades.


O conflito político entre Irã e Estados Unidos

A tensão entre os grupos islâmicos iranianos e os Estados Unidos mostra as caras em 1953 quando o Presidente dos Estados Unidos, Dwight  D. Eisenhower, concede asilo político ao ‘Xá’ Muhammad Pahlavi – deposto por seu primeiro ministro após nacionalização do setor petrolífero – e conduz, através da CIA, a operação Ajax, para restabelecer o regime monárquico em favor de empresas multinacionais estrangeiras. Nos anos 80, com o apoio bélico da Casa Branca, o Iraque de Saddam Hussein atacou o Irã e, segundo estimativas, deixou 1 milhão de mortos numa guerra que durou oito anos.

Estes fatos, somados a intervenção em outros países do Oriente Médio e o constante apoio a Israel, fez com que proliferasse no país um pensamento anti Estados Unidos. Claramente no Irã é predominante, através de vasta gama de materiais, entre livros, DVDs e programas de TV, a opinião de que os governos de tais países desejam o fim da revolução Islâmica. Em várias redes de televisão são constantes notícias e mensagens que citam o sionismo e as invasões militares americanas no oriente médio, deixando clara a atenção que o governo e o povo dão ao assunto.

Como os iranianos vêem o governo Obama?

O governo de Barack Obama divide opiniões na população do Irã. Mesmo concordando que haverá mudanças, a discordância se dá na profundidade e razão das mesmas. “Não acredito que Obama altere a política externa significativamente pois existe um jogo ‘por trás das cortinas’ ao qual ele pouco pode fazer”, declara Ashraf Zadeh. Já o empresário Ahmad Kamali, dono de uma loja de informática em Qom, afirma que espera uma mudança: “São tantas injustiças e crueldades do governo Bush que não acredito que a população americana permitiria que Obama continuasse dessa maneira”, afirma.


Tecnologia nuclear

Há unanimidade entre os iranianos, com quem conversei, defendendo sua utilização com fim de geração de energia e alguns adicionam que os mesmo que apontam os riscos do país ter uma arma nuclear, são os únicos que já a utilizaram em conflitos. “Com tantos embargos econômicos sofridos pelo país, é nosso direito desenvolver tecnologias visando a auto-suficiência na agricultura, energia, indústria e até mesmo no espaço”, afirma Sayed Navab.

Leave a Reply