Editorial da Gazeta do Povo causa constrangimento

Quarta-feira, 8 de Julho de 2009  | publicado no blog do Fàbio Campana

Gleisi Hoffmann, presidente do PT, tece duras críticas ao editorial da Gazeta do povo publicado no domingo, dia 5, no qual o jornal defende decisão do STJ que inocentou “clientes ocasionais” de crime de exploração sexual de menores.

O editorial surpreendeu muita gente, pois quebra uma tradição do jornal em defesa de princípios morais, éticos e o Estatuto da criança que rejeitam a exploração sexual infantil. Leia a seguira a crítica de Gleisi Hoffmann e depois o próprio editorial da Gazeta

“Lamento profundamente o editorial da Gazeta do Povo de domingo, 05 de julho: “Os Motivos do STJ”. O texto tenta justificar a sentença de absolvição dos réus envolvidos com exploração sexual de menores no Mato Grosso do Sul.

Alegar falta de recurso por parte do MP e afirmar que o julgamento foi técnico, é lavar as mãos diante de uma situação cruel, que precisa ser mudada em nossa sociedade. Quando firmei compromisso em minha

formatura de Direito, jurei defender a lei, mas sobretudo jurei defender a Justiça, mesmo que essa se contrapusesse aquela. Esses magistrados fizeram o mesmo juramento.

Será que desconheceram a história de vida das duas meninas, tidas como prostitutas? Uma das adolescentes violentadas não nasceu nas ruas. Sua mãe a ofereceu ao amante, numa discutível prova de

amor. Seviciada e humilhada, ela fugiu de casa e, nas ruas, encontrou uma amiga, também menor de idade, filha de uma trocadora de ônibus, que se iniciara na prostituição em troca de um vidro de xampu.

Em um ponto de ônibus foram assediadas por dois homens para um programa mediante o pagamento de 80 reais para cada uma. No motel, além de fazer sexo, foram espancadas e fotografadas desnudas em poses pornográficas. Esse drama não foi considerado. Valeu a técnica debatida no conforto das salas

climatizadas dos Tribunais. Diante de uma realidade perversa como essa, não há nenhum impedimento para que o Judiciário seja vanguarda na defesa da Justiça e começa a mudar essa triste história de prostituição e exploração sexual de menores. Também penso assim em relação a Gazeta do Povo” .

Gleisi Hoffmann é advogada e presidente do Diretório Estadual do PT/PR


Leia a seguir, o editoral da Gazeta do Povo

Os motivos do STJ

Teve grande repercussão o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, mantendo a decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, entendeu que o “cliente ocasional” não poderia ser condenado pela prática do crime de exploração sexual. A conduta não se amoldaria ao artigo 244-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do artigo 2º desta lei, à prostituição ou à exploração sexual. Pena: reclusão de quatro a dez anos e multa”.

Para o STJ e para outros tantos tribunais do país, o crime de exploração sexual previsto no ECA não teria por objetivo punir o cliente, mas sim a conduta ilícita do comumente chamado “cafetão”.

Pois bem, após a divulgação da decisão o rebuliço foi geral. De todos os lados foram lançadas pesadas críticas ao STJ, que inclusive se viu obrigado a soltar, na última quarta-feira, uma nota de esclarecimento no intuito de detalhar as razões e o alcance do seu julgamento.

Em sua nota, o STJ lembrou que a prática de relação sexual com criança ou adolescente menor de 14 anos pode sim caracterizar o crime de estupro, mediante a combinação de dois artigos do Código Penal: a) o artigo 213, que define como crime a conduta de se “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”; e b) o artigo 224, daquele mesmo diploma legal, que assim se apresenta: “Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos…”.

Mas, então, por que não houve a condenação dos réus no caso em tela? A nota de esclarecimento traz a resposta. A decisão de 1ª instância absolveu os réus do crime tipificado no artigo 213, do Código Penal, e o Ministério Público simplesmente não recorreu de tal decisão. Com isso, ao menos em relação crime de estupro, ocorreu o trânsito em julgado e a decisão não mais poderia ser modificada.

A partir daquele momento, por conseguinte, os recursos do Ministério Público passaram a se pautar apenas no crime de exploração sexual e não mais no crime de estupro presumido.

Ora, diante desses fatos, é possível dizer que a decisão do STJ foi errada ou equivocada? Entendemos que não. O Superior Tribunal de Justiça decidiu tecnicamente. Decidiu em estrita consonância com a legislação vigente e com a Constituição Federal de 1988, notadamente no que diz respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Da sentença de absolvição pelo crime de estupro não houve recurso por parte do Ministério Público e a decisão, no tocante ao referido crime, transitou em julgado. Logo, em relação a tal imputação (crime de estupro), os réus não mais se defenderam – e nem precisavam mais se defender – ao longo de todo o processo. Se o recurso do Ministério Público pleiteava a condenação dos réus pela suposta prática do crime de exploração sexual, não poderiam eles ser condenados por outro crime.

Portanto, se condenação não houve, isso não se deu por falha daquele que é conhecido como o Tribunal da Cidadania. O Superior Tribunal de Justiça apenas fez valer as regras e princípios constitucionais inerentes a um Estado Democrático de Direito.

A absolvição, em uma primeira análise, causa espanto e indignação. Todavia, verificadas as circunstâncias do caso concreto e as razões processuais que levaram o STJ a confirmá-la, podemos concluir que o resultado, naquela corte, realmente não poderia ter sido outro. A falha foi anterior e o STJ não poderia corrigir um erro – ausência de recurso no momento oportuno – com outro – desrespeito aos princípios da provocação, do contraditório e da ampla defesa – erro este tão ou ainda mais grave que o primeiro.

Ao fim e ao cabo, as lições que podem ser extraídas desse infeliz episódio são as seguintes. Primeira: como forma de coibirmos a repetição de situações como essa, vemos a necessidade de que o Poder Legislativo, com a agilidade que não lhe é usual, promova uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de ampliar o conceito do crime de exploração sexual ou mesmo de criar um tipo penal específico para o “cliente”, seja ele habitual ou meramente ocasional. Segunda lição: observa-se a necessidade de que o Ministério Público atue de forma cada vez mais incisiva e atenta na proteção das nossas crianças e dos nossos adolescentes, prostituídos ou não.

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